5/05/2010

Os batistas brasileiros e a autonomia das igrejas.



Fundamentação Bíblica - A autonomia das igrejas locais é um princípio estabelecido desde os tempos neo-testamentários, com farta relação de textos atestando a sua prática nos Atos dos apóstolos, nas epístolas e até no livro de Apocalipse. Embora possamos observar que dentro daquele contexto histórico houve a realização de um concílio em Jerusalém (Atos 15), o exame cuidadoso do texto nos leva a entender que:
1. A necessidade do concílio surgiu a partir de uma dúvida doutrinária semeada entre os irmãos gentios por alguns que não aceitavam a transição do antigo Judaísmo para o Cristianismo que acabara de ser lançado (verso 1).
2. A ida ao concílio foi espontânea. Ninguém os convocou. Após discutir o assunto, reconhecendo a necessidade de ouvir os apóstolos e outros irmãos mais experientes, eles resolveram ir para Jerusalém (v 2).
3. Durante o concilio, fariseus, apóstolos e anciãos presentes fizeram uso da palavra (versos 5 e 6). Também falaram Pedro, Paulo, Barnabé e Tiago, sem que houvesse entre eles qualquer diferença de ordem hierárquica (versos 7, 12, 13).
4. A recomendação do concilio para a questão em pauta foi comunicada às igrejas como sendo uma recomendação coletiva, que teve o apoio de toda a assembléia presente (verso 22 e seguintes).
5. Resolvida a questão, dissolvido foi o concilio. Cada um passou a cuidar de sua própria comunidade e os itinerantes prosseguiram na tarefa de pregar o Evangelho e plantar novas igrejas, sem que entre eles tenha sido estabelecida a figura de um líder máximo.
Anos mais tarde, o apóstolo Paulo, diante da enorme quantidade de igrejas e também do número de obreiros que rejeitavam a sua visão de trabalho, não ousou exercer sobre eles qualquer primazia, deixando bem claro que a pregação do nome de Cristo era o que mais importava (Filipenses 1:15-19). E, finalmente, quando Jesus trata com as sete igrejas da Ásia, não endereça suas correspondências a nenhum arcebispo, pelo contrário, trata com o anjo de cada igreja em particular (Apocalipse 2 e 3)!
Fundamentação Histórica – Sabemos que o surgimento do papado criou dentro do mundo cristão uma divisão anteriormente não observada na igreja primitiva – o alto e o baixo cleros. Uma vez corrompido o alto clero, composto pelo papa e pelos seus assessores mais próximos, sacerdotes sem grande poder político dentro da cadeia eclesiástica também se deixaram corromper ou foram brutalmente silenciados pela repressão de Roma. Essa foi a marca da Idade Média, período de obscurantismo, exploração, torturas e homicídios praticados em nome de Deus!
Mais tarde, a Reforma Protestante do século XVI, que teve Lutero como principal líder, seguido por Calvino, Zwinglio e tantos outros, passou a ser divulgada na Europa pelos anabatistas, comunidades independentes de cristãos, que com suas idéias libertadoras, acabaram contribuindo para a formação doutrinária dos atuais batistas. Defensores apaixonados da autonomia da igreja local, os primeiros batistas nos deixaram até hoje, como legado, esse principio que está bem arraigado na alma e no jeito de ser de nosso povo.
Ameaças Pós-Modernas – Em seu site oficial, a Convenção Batista Brasileira, referindo-se ao princípio da autonomia das igrejas, diz o seguinte: “O princípio governante para uma igreja local é a soberania de Jesus Cristo. A autonomia da igreja tem como fundamento o fato de que Cristo está sempre presente e é a cabeça da congregação do seu povo. A igreja, portanto, não pode sujeitar-se à autoridade de qualquer outra entidade religiosa”.
Apesar disso, temos observado no Brasil grande desinteresse por parte de muitas igrejas no que diz respeito às relações convencionais, desinteresse bem semelhante ao que já vem ocorrendo nos Estados Unidos, onde denominações históricas cada vez mais enfraquecem e prosperam as igrejas livres.
Isaltino Gomes Coelho Filho, respeitado autor batista, em artigo publicado em sua página, além de declarar que o principio da autonomia da igreja local é inegociável, aprofunda o seu pensamento sobre a crise denominacional, dizendo: “Entendo que vivemos um tempo bem diferente do vivido há 20 anos. As estruturas denominacionais passam por um processo de desgaste junto às igrejas. Sua imagem está afetada. Isto é conseqüência até mesmo de um dado cultural, a pós-modernidade, momento social em que vivemos e em que as estruturas são questionadas e deixadas de lado, e o individualismo é cada vez mais acentuado. Para piorar, em algumas de nossas instituições denominacionais houve má gerência, e isto atingiu as demais. Em outras, houve açodamento de pessoas que confundiram as coisas e conseguiram, com suas atitudes, criar uma postura refratária por parte das igrejas”.
Diante da diminuição do número de igrejas cooperantes e da indiferença de muitas outras que ainda contribuem para a manutenção do plano cooperativo, mas já não participam ativamente dos programas em comum, tem surgido em alguns lugares a idéia de rever as relações convencionais, impondo às igrejas filiadas mudanças que ferem acintosamente o princípio da autonomia da igreja local. Citando casos isolados de pastores e igrejas que se desviaram das boas práticas batistas, os proponentes dessas mudanças tentam impor modificações no estatuto e no regimento interno de cada igreja, adequando-os ao estatuto e ao regimento interno da convenção. Dessa forma, abrem-se brechas jurídicas que mais tarde poderão resultar em intervenção dos órgãos convencionais nas igrejas locais!
Apelo ao bom senso – Por isso, se tais idéias forem aprovadas, irão produzir efeito inverso ao esperado pelas lideranças denominacionais, causando uma debandada em série por parte da grande maioria das igrejas acostumadas à liberdade herdada de nossos pioneiros e avessas ao sistema de governo episcopal. Na hora H, as comunidades locais, inseridas dentro de um mundo cada vez mais pensante, tomarão suas decisões levando em conta os seguintes pontos:
1. Entre o bíblico e o extra-bíblico, preferirão ficar com o bíblico – No artigo supracitado, Isaltino Gomes Coelho Filho, analisando nossas estruturas convencionais, afirma: “Em outras vezes, a luta por poder, nos bastidores, em nada difere da luta que se vê no mundo. Esta confusão, para mim, se deu porque se ignorou o fato de que a estrutura é serva das igrejas e existe em função delas e não o oposto. Nem mesmo chamo nossas instituições de denominação porque denominação, no meu entendimento, são as igrejas e as doutrinas que elas sustentam. Chamo de estrutura e as vejo como pára - eclesiásticas, ou seja, elas existem para caminharem ao lado das igrejas. Por isso, entendo que as estruturas precisam rever seus métodos e seu discurso”.
Como já vimos no inicio deste ensaio, não existe no Novo Testamento nenhuma ordenança no que diz respeito à filiação ou subordinação das igrejas locais a qualquer instituição religiosa. Portanto, todas as outras organizações que criamos, somente terão razão de ser enquanto forem interessantes para as igrejas locais.
2. Entre a compulsoriedade e a espontaneidade, ficarão com a espontaneidade – As igrejas do Novo Testamento cooperavam umas com as outras espontaneamente, como desejavam e podiam.
3. Entre a agência de missões e a igreja, optarão por fazer missões através da igreja – No que diz respeito às missões transculturais, já está provado que é bem mais fácil evangelizar a Bolívia através de crentes bolivianos e Cuba através de crentes cubanos. Ao que me parece, as grandes igrejas de nossos dias também já descobriram que o melhor modelo de evangelização nacional é aquele em que Igrejas plantam Igrejas! Este método, além de mais rápido e mais econômico (pois aplica diretamente no campo missionário valores que seriam gastos para sustentar a burocracia convencional), produz maior envolvimento por parte dos membros das igrejas locais e em muito facilita o acompanhamento das Igrejas Filhas.
Convenções – Extinguir ou repensar? – Ao longo dos anos, as assembléias convencionais têm sido marcadas em todo o país por acirradas discussões que sempre giram em torno de questões financeiras, patrimoniais e outras mais oriundas das disputas por cargos. Ouvi certa vez alguém de outra denominação se referir à última assembléia convencional de que participara como sendo a “convenção da liminar” pelo fato de ter a mesma se transformado num palco de gladiadores onde a Bíblia foi trocada pelo Código Civil, com constantes ameaças de uso do Código Penal entre um discurso e outro. Nós batistas, não estamos muito distantes disso; mas, esses encontros de onde as pessoas acabam saindo tristes e ressentidas poderiam ter final bem melhor caso as convenções resolvessem repensar o papel que ainda lhes cabe entre nós.
Para não perder de uma vez por todas a relevância, sugiro que as convenções abram mão de toda e qualquer atitude impositiva, sob pena de se verem esvaziadas. Redirecionar o foco, transformando-se em órgãos organizadores de encontros, congressos, seminários, simpósios, mini-cursos, treinamentos e outros eventos que tenham como propósito principal o congraçamento, o encorajamento e o fortalecimento das igrejas locais é a saída, a mais sensata saída!
Humberto de Lima
Humberto de Lima é bacharel em Direito pela UEPB, graduado em Liderança Avançada pelo Haggai Institute (Maui, EUA) e pastor da IBF – Igreja Batista de Fagundes, PB. É colunista da VINACC e também escreve semanalmente em seu próprio blog, o HumbertodeLima.com

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